Lembro-me de uma anedota em que narra a história de um empresário que em um determinado momento de sua existência quis descobrir o sentido da vida, viajou o mundo, procurou nos lugares mais remotos, sem conseguir êxito, depois de sete longos anos de sua busca, já tendo gastado mais da metade de sua fortuna, eis que descobriu um monge mestre, que vivia em reclusão no alto de um monte no Tibete, que finalmente poderia responder a pergunta que não o deixava viver em paz.
Após horas de caminhada por um terreno íngreme nosso herói chega ao tão procurado monge e pergunta: “Mestre qual o sentido da vida?”. O monge sentado em posição de meditação, com os olhos fechados responde ao intrépido viajante, sem sequer mudar de posição nem tão pouco abrir os olhos: “A vida é como a água que passa por debaixo da ponte”
Indignado com essa resposta o empresário andarilho se revolta dizendo em voz alta: “O que? Eu viajo sete anos, abandono tudo em busca do sentido da vida e você me diz isso?”, admirado o mestre arregala os olhos fixando-os no pobre homem perguntando “Por que, não é isso não?”
Essa anedota me fez pensar em todas as pessoas que se ocuparam tentando interpretar nossas vidas, nosso mundo, nossa existência. Das mais variadas formas e pontos de vistas, tentaram, ou tentam, nos responder essas indagações.
Filósofos e ou religiosos das mais variadas doutrinas, bem como cientistas de diversas áreas tentam nos explicar de onde viemos, do que somos feitos, qual o sentido da vida e para onde iremos, no entanto ainda assim, muitos de nós ficamos insatisfeitos com essas respostas.
Depois de muito refletir sobre essas indagações, se alguém me perguntasse sobre o sentido da vida eu diria que tudo é energia, e a vida se resumiria em participar desse fluxo contínuo de energia. Pode parecer estranho e simplista demais uma resposta assim, tal qual a resposta de nosso monge mestre (a vida é como a água que passa por debaixo da ponte) que também fala de energia, pois o movimento da água é, ainda hoje, uma das maiores fontes de produção de energia elétrica de nosso planeta.
Pensemos um pouco, o universo, segundo os cientistas, surgiu de uma explosão (Big Bang), e o que é uma explosão em termos físicos e químicos? Não poderíamos dizer que é uma liberação de energia? Quanto mais energia estiver acumulada nas partículas maior é o potencial explosivo?
Partindo desse principio (Big Bang) sabemos que o Sol tem acumulado um potencial imensurável de energia e que nos transmite essa energia de forma gradual, tornando possível a existência de vida em nosso planeta. Assim como nosso planeta esta repleto de energia herdada do Big Bang, não só no calor (energia térmica) do núcleo de nosso planeta, como o movimento que o próprio planeta faz (energia cinética) em torno do seu eixo (rotação) e em torno do Sol (translação), como também a energia química presente nos elementos que compõe toda a matéria.
As correntes marítimas, os ventos, as tempestades, furacões, terremotos, são todos parte do fluxo eterno de energia, sem esse fluxo não existiria esses “fenômenos naturais”, não existiria vida.
Também podemos entender melhor o funcionamento de um organismo animal, se tentarmos entender também como funciona o fluxo de energia nesse organismo. O sistema digestivo e o sistema respiratório são responsáveis pela entrada da energia nesse organismo, o sistema circulatório e respiratório pela distribuição dessa energia. Sabemos que uma falha em um desses sistemas pode levar a conseqüências terríveis, desde falhas funcionais, até a perda de membros ou mesmo a falência total (morte) desse organismo.
Deixando um pouco a questão interna de um organismo animal, pensemos um pouco na sua relação com o meio. Já vimos que através da respiração e alimentação o animal capta a energia capaz de mantê-lo vivo. Recordando então nossos primeiros passos no estudo da biologia, sabemos que a cadeia alimentar demonstra o fluxo de energia através dos seres vivos. Energia do Sol torna possível a planta produzir energia através da fotossíntese (produtores) que servirá de alimento paro o herbívoro (consumidor primário) que poderá alimentar seu predador carnívoro (consumidor secundário) que poderá alimentar outro predador (consumidor terciário) que não só poderá alimentar outro predador como também (assim como os outros) terá seus restos mortais decompostos por fungos e ou bactérias (decompositores) liberando novamente a energia ao meio. A cadeia alimentar nada mais é do que uma cadeia de fluxo de energia que torna possível a existência de vida.
E o que faz com que os seres vivos se sujeitem a participar da cadeia alimentar?
Um elemento fundamental que faz com que todos os indivíduos participem da cadeia alimentar e para existência e manutenção da vida é o chamado instinto (programação genética que visa a preservação da vida e a perpetuação da espécie), que leva o animal a manter se vivo (instinto de sobrevivência ou preservação) e a manter a espécie (instinto de perpetuação da espécie).
Muitos poderiam se indagar sobre o que tem a energia a ver com isso, pois bem, tanto a fome, o desejo sexual, como a fuga da dor podem ser explicadas através do fluxo de energia, para isso vamos, a partir daqui, nos concentrar nos seres humanos.
Temos que considerar, então, que além das energias simples de se identificar, flui também no ser humano a energia psíquica, que através de fatores externos, lhe traz prazer e felicidade (prazer e felicidade que também são fluxos de energia no organismo do ser humano, que existem através dos sistemas endócrino e nervoso). O que no animal podemos chamar de instinto, no ser humano esse instinto, por se integrar com uma série de sentimentos e significações, ganhou a qualidade de pulsão, que nada mais é que o instinto com uma nova roupagem, pois não se pode isolar o instinto nos seres humanos, eles não existem de maneira pura como nos animais.
Portanto, a vida do ser humano se resume na busca incessante de energia, dos mais variados tipos de energia. A grande questão que nos diferencia dos outros seres na busca de energia é a perda, em algum momento de nossa evolução (que não se sabe qual) do nosso instinto como instinto “puro”, ou seja, da programação para a manutenção da vida e perpetuação da espécie “pura e simplesmente”. Em um determinado momento de nossa evolução, características psíquicas foram adicionadas ao nosso instinto, que, mesmo mantendo parte de sua essência, não podia ser mais interpretado como instinto, pois as adições que foram feitas a ele o tornaram uma nova instância, chamada por Sigmund Freud de pulsão.
Pulsão é um termo que tem tudo a ver com energia, não há como pulsar sem energia, pois bem, o nosso regente, não mais chamado de instinto e sim de pulsão, executa sua “função” justamente através do fluxo e busca de energia. Não mais da forma crua e primitiva que o instinto rege os outros animais.
Segundo a psicanálise a pulsão esta na fronteira do psíquico e do somático, ou seja, há nela elementos tantos físicos como psíquicos interagindo de forma a impossibilitar a divisão de tais instâncias.
Se quisermos entender o ser humano, temos que entender como ocorre esse fluxo de energia através da pulsão, e o porquê do homem buscar “mais” do que a preservação e a perpetuação de sua espécie, como nos mostrou Freud em sua obra intitulada “Além do Princípio do Prazer”.
Os seus conhecimentos em física e química, além de sua formação médica (fisiologia e neurologia), possibilitaram a Freud interpretar esse fluxo de energia e como ele rege nossa vida. Ao entender que o homem não busca simplesmente o prazer e foge do desprazer e qualificar as pulsões como pulsão de vida ou pulsão de morte, Freud mergulha decisivamente no conceito de pulsão como instância diferente do instinto, pois os elementos psíquicos adicionados a este modificaram a forma dessa energia fluir.
Podemos ter uma idéia dessa interpretação dada por Freud ao analisarmos conceitos como repressão, energia libidinal, energia livre, bem como vários outros que demonstram a importância de entendermos o fluxo de energia em nós para podermos nos aproximar do autoconhecimento.
Freud revolucionou o pensamento acerca do ser humano, deixando como legado, a busca do entendimento desse maravilhoso universo de fluxo de energia que nos rege e nos permite viver.
Há um comercial de TV em que o locutor pergunta “o que faz você feliz?”, poderíamos interpretar essa pergunta dizendo “o que faz você liberar sua energia?” ou onde esta “ligada sua energia?, pois em tudo que nos interessa ligamos ou gastamos nossas energias (e não podemos separar energia psíquica ou física pois elas se relacionam de tal forma que uma não existe sem a outra).
Podemos explicar também a dor do luto através do fluxo de energia, pois o luto é a dor de ter uma demasiada carga de energia livre, ou seja, segundo a psicanálise, a energia que tínhamos sobre determinado objeto, com a perda deste, ela retorna para nós, enquanto não canalizarmos essa energia para outro objeto, sofreremos em demasia por ter essa sobrecarga energética.
Pois morte é o “não fluir” da energia, uma pessoa “cheia de vida” é uma pessoa com um fluxo intenso de energia.
A Psicologia Comportamental, que tem como base na interpretação do ser humano a influencia do meio ao ser e vice e versa, analisa vários temas psíquicos demonstrando a relação estímulo–resposta–estímulo. Por exemplo, para a psicologia comportamental, a falta generalizada de respostas aos estímulos antes correspondidos é o que vulgarmente se conhece por depressão. E o que seria a depressão, e conseqüentemente o “não responder aos estímulos” do que uma falta de fluxo de energia, ou seja, a energia que vinha com os estímulos retornava ao meio através de uma resposta comportamental. Ainda no campo da Psicologia Comportamental (poderia ser entendido também sobre qualquer outro prisma) perguntamos, o que seria o dinheiro se não um estímulo generalizado, ou seja, uma parcela de energia que pode ser trocada por quase todas as outras formas de energia?
Assim como o dinheiro é para a sociedade a energia livre é para nosso psiquismo e para analisar isso retornemos à psicanálise.
Freud declarou que a energia livre é a moeda de troca, aceita pelo psiquismo para qualquer espécie de sorte, ou seja, a energia livre acumulada é o pior fenômeno que pode ocorrer no ser humano, pois com ela estamos sujeitos a qualquer tipo de aventura, desde se tornar rei do rock (ou do pop) até ter uma vida de desgraças, dor e sofrimento, aliás as duas coisas podem acontecer juntas pois o segundo exemplo é o indubitável destino dos que tem em si, uma considerável parcela de energia livre.
Não podemos esquecer que o acumulo de energia gera dor e sofrimento, assim como ocorre quando estamos com a bexiga cheia de urina, sendo um motivo considerável sofrimento e dor, gerando um grande alívio esvaziar a bexiga, lembrando um verdadeiro orgasmo. Portanto essa energia livre acumulada causa sofrimento, fazendo com que o aparelho psíquico tente se livrar dela o mais rápido possível, não importando a forma, e o tempo em que estivermos com essa energia bem como a maneira que ela ira sair de nós, são causas de grande risco e dor.
Muito bem tratou desse assunto o psicanalista e psiquiatra Wilhelm Reich. Na sua proposta de gênese da neurose, Reich enfatizou o fluxo de energia no corpo, qualificando-a de energia orgone, que poderia ser entendida, de uma forma um tanto quanto simplista, da pulsão com alguns elementos espirituais, portanto intangíveis. A pesquisa e o trabalho de Reich sempre foram delimitados pelos conceitos de energia, seu fluxo e sua vicissitudes, lembrando que no trabalho “A função do Orgasmo”, Reich trás a luz do nosso conhecimento a importância da questão sexual no fluxo dessa energia.
No setting psicanalítico, com um mecanismo e sistema complexo, busca se a “ligação” dessa energia, ou seja, fazê-la perder seu estatus de “livre” e assim, utilizando se de mecanismos de defesas, sobretudo a sublimação, dar um novo destino a essa energia e uma nova sorte ao sujeito, que ao ter restabelecido o fluxo de energia em si, terá mais chances de buscar a felicidade.
Outro ganho que temos ao perceber que tudo é energia é entender, conseqüentemente, o papel que as outras pessoas e o meio ambiente, incluindo os outros seres vivos, têm em nossa existência, pois se para termos saúde em sua plenitude precisamos deixar fluir a energia em nós, obviamente precisamos então, para ser esse condutor, receber a energia de algo ou alguém, bem como enviar essa energia à algo ou alguém, portanto a partir daí poderíamos ter uma melhor compreensão de coexistência, e ao atingirmos essa consciência de que tudo é energia e de que não existimos e sim coexistimos passaremos a respeitar mais o outro, o meio ambiente, os outros seres vivos e a nós mesmo, fazendo com que este mundo seja um mundo muito melhor.
Por isso se alguém me pergunta sobre o sentido da vida, não temo em ser simplista em responder: TUDO É ENERGIA, FLUA E COEXISTA!
Cesar Galves Mangini
Psicanalista e condutor de energia